Limitações ferroviárias

O processo de concessão das ferrovias brasileiras teve início em 1996 com a privatização do sistema até então sob controle estatal.  Os resultados da operação das ferrovias pela iniciativa privada estão muito bem documentados e seguem as obrigações estabelecidas nos contratos de concessão.

Apesar das notícias positivas divulgadas amplamente pela mídia especializada do setor ferroviário, outras questões resultantes deste processo precisam ser destacadas. Nas últimas duas décadas, o trem tem atropelado vários interesses e o resultado é uma grande lista de excluídos e inimigos das ferrovias. Vejamos!

Quanto ao serviço de transporte ferroviário, há um grande descontentamento tanto de usuários quanto de potenciais usuários. Logo após as privatizações, havia uma grande expectativa de que as ferrovias seriam usadas por muitas empresas ou estariam disponíveis para o transporte de uma variedade maior de produtos. No entanto, o resultado é que as cargas transportadas atualmente são, em grande parte, das próprias empresas que controlam as concessionárias. A preferência é para o transporte de commodities agrícolas e minerais. Além disso, há uma barreira significativa para a entrada de novos usuários e produtos no setor ferroviário.

Por não contar com índices que meçam e direcionem a qualidade dos serviços de transportes, as concessões contabilizam uma grande quantidade de usuários insatisfeitos. Quebra de contratos, cujas multas já fazem parte das operações, vagões perdidos, contaminação de produtos, fretes ferroviários balizados pelos fretes rodoviários, são algumas das reclamações. Uma parte dessas reclamações estava relacionada à América Latina Logística (ALL), concessionária anterior à Rumo Logística.

As práticas operacionais e comerciais das concessionárias também desagradam grande parte dos antigos ferroviários, os mesmos que ajudaram a construir as ferrovias nos últimos 150 anos. Há muitas críticas relacionadas à qualidade da manutenção das vias e desativação de trechos considerados não operacionais pelas concessionárias. Restou para estes ferroviários olhar o trem passar ou participar de atividades de preservação da memória ferroviária.

O processo de concessão não considerou, e nem resolveu até o momento, a questão dos milhares de passagens em nível existentes em áreas urbanas e rurais. O risco para os cidadãos é grande e todos os anos acidentes fatais acontecem em algumas cidades do país. Falta uma definição mais clara sobre os verdadeiros responsáveis pela sinalização destas passagens. Nas novas ferrovias, as passagens em nível ainda não viraram notícia, pois o tráfego de trens ainda é pequeno nestes trechos.

As estações ferroviárias abandonadas e sem utilização espalhadas pelo país causam grandes transtornos para as municipalidades. Patrimônio de grande valor no passado, hoje as estações não passam de um passivo degradado e abandonado. Até o presente momento não há planos específicos para utilizar a memória ferroviária em favor do desenvolvimento do setor ferroviário no presente.

É preciso considerar que a ferrovia não é um sistema isolado, mas uma instância social em que vários agentes participam direta e indiretamente de seus benefícios e problemas. De uma forma geral, o processo de privatização transferiu os benefícios das ferrovias para alguns grupos econômicos e os problemas para toda a sociedade.