Malha ferroviária antiga

O sistema ferroviário nacional pode ser analisado através da caracterização das duas malhas existentes, uma antiga e outra nova. Com aproximadamente 24 mil km de linhas, a antiga foi construída nos séculos XIX e XX, possui grande quantidade de interferências ao longo de seu traçado e opera em bitola métrica em 92% de sua extensão.

Malha feroviária antiga

Nos últimos 10 anos, a quantidade de cargas transportadas nesta malha reduziu 1% em volume, passando de 188 mil para 187 mil TU (Tonelada Útil). Os principais produtos transportados em 2016 foram minério de ferro (70%) e do setor agrícola (15%).

As ferrovias que fazem parte da malha antiga são: Estrada de Ferro Paraná Oeste (EFPO), entre Cascavel (PR) e Guarapuava (PR), com 248 km de linhas; Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), ligando Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES), com 895 km; Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), operando nos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Sergipe e no Distrito Federal, com 7.223 km; Ferrovia Tereza Cristina (FTC), de atuação restrita à Santa Catarina, com 163 km; Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), localizada no nordeste do país e contanto com 4.295 km; Rumo Malha Oeste (RMO), ligando Mato Grosso do Sul e São Paulo, com 1.973 km; Rumo Malha Paulista (RMP), localizada no Estado de São Paulo e contando com 2.055 km de linhas, sendo 1.544 km de bitola larga (1,6 m); Rumo Malha Sul (RMS), operando no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, com 7.223 km de linhas.

A velocidade média comercial da malha antiga reduziu nos últimos anos. As ferrovias RMO e FTL foram as que apresentaram a menor velocidade média em 2016, por volta de 9,5 km/h. Enquanto isso, as ferrovias EFVM e EFPO apresentaram as maiores velocidades médias, 27 km/h e 22 km/h respectivamente.

As ferrovias da malha antiga são, em grande parte, monofuncionais, pois transportam um ou dois produtos apenas. Em 2016, os principais produtos transportados e respectivas porcentagens sobre o total transportado foram: EFPO (soja e farelo de soja – 73%); EFVM (minério de ferro – 89%); FCA (soja e farelo de soja – 22%, minério de ferro – 15%); FTC (carvão e coque – 90%); FTL (combustível – 46%; cimento – 27%); RMO (minério de ferro – 61%); RMP (açúcar – 67%, combustível – 25%) e RMS (soja e farelo de soja – 31%, açúcar – 22%).

Apesar de ter mais de 100 anos, as diversas reformas realizadas na EFVM a transformaram numa das mais produtivas ferrovias nacionais. É a única no país que opera em toda a sua extensão em linha dupla, possibilitando maior velocidade e produtividade. Em 2016, transportou 70% de toda a carga transportada na malha antiga. Apesar disso, o transporte entre 2006 e 2016 reduziu em 1,5% em volume.

As duas malhas ferroviárias brasileiras

O sistema ferroviário brasileiro está organizado em duas malhas principais, uma antiga e outra nova. Elas possuem histórias e características distintas, que praticamente inviabilizam a formação de um conjunto e o funcionamento das ferrovias como um sistema.

São duas realidades muito diferentes, considerando aspectos construtivos, regiões atendidas e pontos de conexão com terminais, portos e outras ferrovias. As duas malhas não estão integradas, já que as bitolas são diferentes. Considerando a quantidade de linhas construídas e disponíveis para uso, a malha antiga possui aproximadamente 24 mil km de extensão e a nova 5 mil.

A maior diferença entre as duas malhas é que a antiga possui mais história, com infraestruturas projetadas, construídas e remodeladas ao longo dos últimos 150 anos. A antiga é constituída por uma sobreposição de estruturas definidas em épocas diferentes para atender necessidades do passado. Há uma série de remanescências que foram úteis no passado, mas que permanecem e passam a funcionar como obstáculo para o funcionamento da ferrovia nos dias atuais.

A malha nova, por sua vez, foi construída nas últimas décadas seguindo parâmetros e técnicas construtivas mais modernas e atendendo necessidades de transporte do momento atual.

A antiga é predominantemente de bitola métrica e possui traçado mais sinuoso, raios de curvatura e rampas menos adequadas e grande quantidade de interferências, tais como passagens em nível, estações ferroviárias desativadas e áreas urbanas. Foi construída originalmente para transportar produtos como café, carga geral e passageiros.

De bitola de 1,6 metro, a malha nova possui traçado menos sinuoso e raios de curvatura e rampas mais favoráveis e menor quantidade de interferências. Sua construção é recente e voltada para atender o transporte de cargas importantes no momento atual, tais como minério e soja.

Mesmo com as reformas e intervenções realizadas para a melhoria da infraestrutura da malha antiga, seu traçado e diversos outros fatores estão relacionados ao passado. O uso não acontece efetivamente, pois a organização da malha não atende plenamente as necessidades de transportes verificados atualmente.

O futuro das duas malhas pode ser definido pela história de sua organização. Grande parte das linhas ferroviárias da malha antiga está ociosa ou desativada. Os melhores trechos são aqueles que fazem parte dos corredores de transporte e exportação. No momento atual, os investimentos no setor ferroviário estão privilegiando a ampliação da malha nova.

Entendendo as ferrovias brasileiras

O sistema ferroviário da atualidade pode ser analisado e entendido a partir das condições de sua organização, uso e regulação. Estas condições foram definidas utilizando como referência a organização, uso e regulação do território segundo Antas Junior e Ramos & Castillo. A organização pode ser verificada pela maneira como as ferrovias estão distribuídas no território. O uso está relacionado aos serviços de transporte oferecidos e os fluxos de produtos praticados. A regulação, por sua vez, trata das relações entre os diversos agentes participantes do setor, mediadas pelas leis, normas, regras e discursos vigentes.

Metodologia para analisar as ferrovias brasilerias

Há uma diferença muito grande entre a organização do sistema ferroviário e o uso do sistema ferroviário. A organização mostra as estruturas e recursos disponíveis, que podem ou não ser utilizados pelos usuários, concessionárias e poder concedente. Ela representa um uso potencial, que não necessariamente será efetivado. A organização é alterada, principalmente, quando novas linhas, terminais e pátios ferroviásrios são construídos.

O sistema atual compreende aproximadamente 29 mil km de linhas concessionadas a partir de 1996, além de alguns trechos recentemente construídos, como da Ferrovia Norte-Sul, entre Açailândia (MA) e Anápolis (GO), e o prolongamento da Ferronorte no Mato Grosso, entre Alto Taquari e Rondonópolis.

As ferrovias estão organizadas, basicamente, em duas malhas principais. A malha antiga, construída e remodelada nos últimos 150 anos, possui bitola de um metro. É formada por uma infinidade de infraestruturas construídas em épocas diferentes, que foram se sobrepondo de acordo com condições muito particulares de cada momento. É formada por trechos sinuosos e possui muitas interferências ao longo das linhas. As interferências mais comuns são as passagens em nível, invasão de faixa de domínio, estações ferroviárias abandonadas e trechos em áreas urbanas.

A malha nova foi construída em bitola larga (1,6 metro) e possui traçados mais adequados. Por ser de construção recente, há poucas interferências nas regiões atendidas pelas linhas. A realidade estre estas duas malhas são muito diferentes, influenciando na qualidade da operação e dos serviços prestados.

É difícil tratar as ferrovias brasileiras como um sistema, pois as malhas existentes não necessariamente estão interligadas. A dificuldade de interligação não está relacionada apenas à diferença de bitolas, mas de regras operacionais e comerciais praticadas pelas empresas concessionárias. É importante, portanto, analisar como as ferrovias estão sendo utilizadas.

Cidades e ferrovias

No Brasil, as ferrovias tiveram um papel importante na organização da região oeste do estado de São Paulo. Elas foram construídas no século XIX para atender o escoamento da produção de café destinada às exportações, mas contribuíram, também, para a criação de muitas cidades do interior paulista.

A relação histórica entre ferrovias e cidades, no entanto, passou por momentos distintos no país. Até a primeira metade do século XX, aproximadamente, as ferrovias tinham uma relação muito positiva com as cidades, principalmente por exercerem o monopólio dos transportes terrestres. As cidades dependiam das ferrovias e funcionavam muito em função dos horários de chegada e partida dos trens. Grande parte das novidades chegava pelas estações ferroviárias.

Na segunda metade do século XX, com a redução do tráfego de trens e o abandono de muitos ramais, trechos e infraestruturas, as ferrovias se revelaram um problema para grande parte das cidades cortadas pelos trilhos. Foi um momento em que grandes investimentos foram realizados nas regiões urbanas para a construção de viadutos destinados à transposição de trilhos e pátios ferroviários pouco utilizados.

No período atual, a reativação dos trens e o aumento dos fluxos de composições promoveu uma nova alteração na relação entre cidades e ferrovias. As cidades passaram a ser consideradas pelas concessionárias um obstáculo para a operação das ferrovias, já que as áreas urbanas e as passagens em nível (Figura 7) interferem nos fluxos das composições, reduzindo a velocidade média dos trens.

Passagem em nível em Sumaré (SP) – 2008

As áreas urbanas cortadas por linhas ferroviárias estão enfrentando, também, um novo desafio, pois as composições, alcançando quilômetros de extensão, atrapalham o funcionamento das cidades principalmente por conta das passagens em nível. A cidade para quando composições com até 1,5 quilômetro de comprimento se transformam em muros, impedindo a passagem de pedestre e veículos de um lado da cidade para o outro. Como no passado, a cidade volta a funcionar novamente de acordo com os horários das empresas ferroviárias, porém, neste caso, de forma conflituosa e negativa.

Os traçados das novas ferrovias em construção indicam que não é prioridade dos trens atender as regiões de maior atividade econômica no país e as principais cidades dos estados do Sul e Sudeste. O sistema ferroviário atual está sendo utilizado para transportar commodities aos portos, exigindo o isolamento das linhas através da construção de corredores de exportação.

As ferrovias do momento atual não promovem as mesmas transformações no território de momentos anteriores. A relação atual entre estações ferroviárias e cidades mudou de conteúdo e sentido, dificultando fazer qualquer relação direta entre investimento em ferrovias e desenvolvimento econômica e social. Esta nova realidade faz com que as cidades fiquem cada vez mais distantes fisicamente e politicamente das ferrovias.

Expansão do sistema ferroviário brasileiro – a partir de 2007

O quarto e atual período da história das ferrovias brasileiras teve início em 2007 com a retomada de grandes projetos visando a construção de ferrovias em praticamente todas as regiões do país.

Com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007, foi possível realizar grandes mudanças institucionais para favorecer a construção de novas ferrovias. Em 2008, o Plano Nacional de Viação (PNV) foi atualizado e passou a relacionar 15 mil quilômetros de novas ferrovias, interligando o território e indicando para a criação de um verdadeiro sistema ferroviário nacional.

Produção de soja e novas ferrovias (2007)

Os traçados do sistema proposto no PNV foram orientados e definidos para atender, principalmente, as necessidades do agronegócio exportador. O objetivo das novas ferrovias é interligar regiões de grande produção de commondities agrícolas aos portos exportadores. Os trechos ferroviários previstos seguem a expansão da fronteira agrícola no Cerrado e fortalecem os corredores de transporte e exportação.

No atual período, verifica-se um aumento da participação de empresas estatais no setor ferroviário brasileiro. Valec Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. e banco BNDES, por exemplo, participam ativamente como construtores, financiadores ou sócios de muitas ferrovias.

A construção ou expansão das ferrovias de responsabilidade de empresas privadas não aconteceram. A conclusão da Transnordestina, ferrovia de 1.753 km de extensão e de responsabilidade da CSN, está atrasada e sem data para inauguração. A expansão da Ferronorte, que até 2015 era operada pela América Latina Logística (ALL), foi cancelada e os trechos previsto devolvidos para a União em 2010.

O processo de privatização iniciado em 1996 foi estruturado para evitar o monopólio do sistema ferroviário. No atual período, no entanto, verifica-se uma consolidação do controle das concessões ferroviárias em três empresas: Vale, CSN e Rumo. Além de controlar o sistema, definindo regras comerciais e operacionais, elas privilegiam o transporte de suas próprias cargas.

A única ferrovia de expressão construída e em operação a partir de 2007 é a Ferrovia Norte-Sul (FNS), no trecho entre Açailândia (MA) e Porto Nacional (TO). Com uma extensão de 720 km, é operada atualmente pela VLI, empresa do grupo Vale S. A.

O sistema ferroviário vigente é limitado a poucos objetivos, agentes, produtos e regiões de abrangência. Em outros países, usados como referência, as ferrovias são utilizadas de forma mais ampla pelas empresas e cidadãos. A realidade das ferrovias brasileiras pode ser positiva para as concessionárias, mas não significa, necessariamente, que está adequada para o país.