Ferrovias do agronegócio

As ferrovias são utilizadas a cada momento histórico para atender determinadas necessidades da sociedade. Atualmente, algumas ferrovias da malha antiga, concessionadas a partir de 1996, e da malha nova, de construção recente, moderna e bitola larga (1,6 metro), estão sendo organizadas para atender o agronegócio exportador (figura). Portanto, podem ser chamadas de ferrovias do agronegócio.

Relação das ferrovias do agronegócio com os portos

Essa classificação pode ser verificada pelas características das regiões que elas atendem. A localização dos terminais e pátios ferroviários também ajudam a determinar como as ferrovias são utilizadas. Para as ferrovias que já estão em operação, o tipo de carga transportada e os vagões utilizados nas operações contribuem para entender essa classificação.

A Rumo Logística, que opera através de quatro malhas ferroviárias nos estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, possui 12.021 km de trilhos, sendo 80% de bitola métrica. Essas malhas ferroviárias foram concessionadas, em sua grande maioria, na década de 1990. A concessionária transportou 41 milhões de toneladas de produtos em 2017, sendo 83% relacionados ao agronegócio, tais como soja, farelo de soja, milho e açúcar. A frota de vagões também indica que a Rumo Logística é uma ferrovia do agronegócio, pois 53% de seus vagões são do tipo Hopper, que é o modelo mais adequado para o transporte de grãos (REVISTA FERROVIÁRIA).

A Ferrovia Norte-Sul, operada pela empresa VLI entre Porto Nacional (TO) e Açailândia (MA), também faz parte das ferrovias relacionadas ao agronegócio. Com extensão de 720 km e bitola larga (1,6 metro), é de construção recente e possui um traçado mais moderno e adequado. Transportou 7,8 milhões de toneladas em 2017, sendo 73% de produtos do agronegócio, tais como soja, farelo de soja e milho. Os vagões Hopper disponíveis correspondem a 73% da frota, de um total de 2.647 vagões da ferrovia.

Uma quantidade significativa de grãos produzidos na região norte de Mato Grosso segue por caminhão pela BR-163 até o distrito de Miritituba, município de Itaituba, no Pará. A viagem de quase mil quilômetros por rodovia será substituída, em breve, por uma ferrovia. Pelo menos é esta a proposta da Ferrogrão, mais uma que faz parte da lista de ferrovias do agronegócio. O projeto, de 933 km em bitola larga, ligará a cidade de Sinop (MT) aos vários terminais graneleiros localizados em Miritituba, na margem direita do rio Tapajós. A partir deste ponto, os grãos descem o rio em direção a Santarém (PA) para alcançar o rio Amazonas e o Oceano Atlântico.

Outras ferrovias do agronegócio estão sendo planejadas e construídas em várias regiões do país.  Um pequeno trecho da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), com 383 km de extensão, ligará o município de Água Boa (MT) à Ferrovia Norte-Sul em Campinorte (GO), possibilitando escoar milho e soja através dos portos em São Luís (MA). O escoamento de produtos agrícolas pelos portos do norte do país é o grande desejo dos participantes do agronegócio exportador, pois é o caminho mais próximo em direção ao Canal do Panamá e China.

As ferrovias do agronegócio possuem outras características importantes. Normalmente são perpendiculares ao litoral, monofuncionais, unidirecionais, já que voltam vazios depois de descarregar os produtos nos portos, e seus traçados atendem cidades com aptidão agrícola. Cidades industriais, populosas e já consolidadas não participam destas ferrovias. A pouca variedade de produtos transportados por elas não contribui para a formação de um verdadeiro sistema ferroviário nacional.

Integração do território brasileiro

Nos últimos dois séculos, os governos brasileiros realizaram diversos planos e programas para enfrentar um grande desafio, a integração do território nacional. Ocupar as cinco regiões do país e garantir a integridade territorial sempre foram um problema presente nas discussões dos grandes pensadores brasileiros. Diversos especialistas já analisaram esta questão, mas tudo indica que o desafio continua.

Golbery do Couto e Silva, por exemplo, considerava que, até o início do século XX, o território brasileiro era um vasto arquipélago, formado por um núcleo central (São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro), três grandes penínsulas (regiões Nordeste, Sul e Centro-Oeste) e uma grande ilha perdida (Amazônia). Para a integração e valorização do território brasileiro, ele sugeria a criação de três istmos de circulação, entre o núcleo central e as três penínsulas, e, a partir de então, a aproximação do Centro-Oeste com a Amazônia (Figura 14).

Organização do território segundo Golbery do Couto e Silva

Para Celso Furtado, no final do século XVIII, a economia brasileira se apresentava como uma constelação de sistemas em que alguns se articulavam entre si e outros permaneciam praticamente isolados. A integração territorial era algo pouco realista, já que, na primeira metade do século XIX, os interesses regionais constituíam uma realidade muito mais palpável que a unidade nacional.

Segundo o economista Wilson Cano, o território brasileiro estava organizado em regiões isoladas economicamente devido, principalmente, à configuração dos sistemas de transportes, já que as grandes distâncias causavam margens naturais de proteção às indústrias locais. O que se verificava é que a economia nacional não era integrada, já que cada uma das regiões havia tido uma história e uma trajetória específica, ou seja, eram independentes.

O renomado especialista em transportes Josef Barat destaca que, antes de 1940, a única integração entre os polos exportadores no Brasil era realizada através da navegação de cabotagem. Para ele, a integração do território brasileiro ocorreu somente após o surgimento das rodovias, principalmente depois de 1950, fazendo com que o Brasil deixasse de ser um conjunto de ilhas culturais e econômicas dispersas para se tornar um continente a gravitar economicamente em torno de um polo, ou seja, em torno de São Paulo.

A integração proposta no período atual é diferente. O desenvolvimento do agronegócio no Cerrado tem exigido uma integração exclusiva e limitada a alguns produtos destinados ao mercado internacional. Estudos realizados na década de 1990, como o dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), têm como principais objetivos o aumento da competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo, principalmente de commodities agrícolas e minerais, através da melhor eficiência e redução dos custos dos sistemas de transportes.

Outros estudos muito conhecidos foram realizados visando a integração do território brasileiro e sul-americano, tais como o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) e a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Sul Americana (IIRSA), respectivamente. Apesar de todas as iniciativas e obras de infraestrutura já realizadas, a integração do território brasileiro é muito seletiva e ainda se apresenta incompleta.

Uso do sistema ferroviário brasileiro

Através dos mapas é possível verificar a organização das ferrovias no território, com a indicação dos locais em que as linhas estão presentes e os pontos de conexão das malhas. Mas isso não é o suficiente. O mais importante é entender como as ferrovias estão sendo utilizadas, quais agentes e setores econômicos estão sendo atendidos, quais produtos e volumes são transportados e como está a qualidade dos serviços prestados sob a ótica dos usuários.

No mundo, as ferrovias são utilizadas para realizar uma variedade de serviços de transportes. As principais opções compreendem o transporte de passageiros de longa distância; transporte de passageiros metropolitano; transporte ferroviário de carga geral ou contêiner; e transporte de alto desempenho ou Heavy Haul. Em grande parte dos países, estes serviços compartilham da mesma malha ferroviária.

Após as privatizações das ferrovias iniciada em 1996, o Brasil passou a privilegiar o transporte de alto desempenho, relacionado à movimentação de volumes expressivos de minério e produtos agrícolas. Do total transportado atualmente em toneladas, 76% corresponde ao minério de ferro, 10% commodities agrícolas e 1% contêiner.

Os fluxos principais de produtos estão acontecendo nos corredores de exportação, formados por grandes infraestruturas que interligam algumas regiões produtoras aos portos exportadores. Trechos da malha que não fazem parte destes corredores estão, praticamente, inoperantes.

O transporte de passageiros de longa distância foi descontinuado na segunda metade do século XX. Há apenas dois sistemas em operação atualmente. O primeiro, entre Vitória e Belo Horizonte, e o segundo, entre São Luís, no Maranhão, e Parauabepas, cidade do Pará onde está localizada a mineradora Vale. Apesar das tentativas, não há previsão otimista para a volta do transporte ferroviário de passageiros entre cidades.

O transporte metropolitano é praticamente insignificante diante da dimensão do território nacional, com presença em apenas algumas capitais do país. O transporte de contêiner e de carga geral também é limitado e pouco expressivo frente ao volume total transportado pelas ferrovias.

Apesar da legislação prever um amplo uso da malha disponível, com a prática do tráfego mútuo e direito de passagem, os serviços priorizam o transporte de uma pequena variedade de cargas de propriedade das empresas que controlam as concessões das ferrovias. O sistema ferroviário nacional está em transformação, com aumento dos investimentos e volumes transportados, mas o seu uso continua limitado e restrito a poucos usuários, cargas e tipos de serviços.

Principais serviços realizados pelas ferrovias

Determinantes da reativação das ferrovias

A reativação das ferrovias no final do século XX foi um acontecimento verificado em vários países ao redor do mundo. Apesar disso, cada país promoveu mudanças e ajustes em seus sistemas ferroviários de acordo com realidades muito diferentes.

Para entender o processo de retomada dos investimentos em ferrovias no Brasil, é necessário relembrar importantes acontecimentos econômicos e sociais que caracterizaram as décadas de 1980 e 1990.

Após a grave crise verificada na década de 1980 no país, acompanhando o ocorrido em vários outros países considerados periféricos ou em desenvolvimento, a alternativa definida para a retomada da economia nacional foi reorientar sua estrutura territorial para promover a exportação de produtos primários.

A partir desta decisão, o país começa um lento e contínuo processo de reorganização, envolvendo novas infraestruturas de transportes e aparatos regulatórios para facilitar as exportações de commodities. Novas leis são definidas e diversos planos de investimentos passaram a fazer parte das políticas públicas e privadas.

Por estarem voltadas quase que exclusivamente em direção aos portos e pelas características dos produtos exportados, que são de alto volume e baixo valor agregado, as ferrovias foram escolhidas para atender a nova ordem que se estabeleceu. A privatização das ferrovias brasileiras foi realizada a partir de 1996 como parte dos ajustes necessários.

A partir de 1990, uma mudança substancial na balança comercial nacional foi verificada, com um aumento da participação de produtos primários e uma redução de produtos de maior valor agregado. Em 1998, a participação de produtos básicos ou primários estava na ordem de 25% sobre o total exportado em dólar. Já em 2017, a mesma participação passou para 46%.

As exportações de minério de ferro e produtos agrícolas aumentaram significativamente nos últimos 20 anos. Entre 1997 e 2017, a exportação de minério de ferro mais que triplicou, a da soja cresceu mais de oito vezes, milho 96 vezes e açúcar 6 vezes (ibdem).

Outra mudança importante verificada no período atual analisado está relacionada à agricultura nacional. A produção agrícola de produtos exportáveis, tais como soja, milho, algodão e cana-de-açúcar (açúcar) mais do que dobraram em volume entre 1997 e 2017 (Tabela 1). Por outro lado, os volumes produzidos de produtos pertencentes à cesta básica, tais como arroz, feijão, mandioca e café, não aumentaram no mesmo ritmo nos últimos 20 anos.

Os grandes beneficiados pela reativação recente das ferrovias brasileiras são os exportadores, com destaque para as tradings, e países importadores, como a China. É desta forma que o Brasil e as ferrovias brasileiras estão inseridas atualmente na divisão internacional do trabalho.

PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO BRASIL DE PRODUTOS EXPORTÁVEIS E DA CESTA BÁSICA