Os contratos de concessão das ferrovias

O processo de privatização das ferrovias iniciado no final do século XX resultou num sistema formado por 14 empresas ferroviárias. A operação destas ferrovias e os resultados esperados em termos de qualidade dos serviços prestados estão muito relacionados à estrutura dos contratos de concessão. Estas empresas podem ser agrupadas em quatro grupos principais de acordo com as características dos contratos.

No primeiro grupo, estão as empresas resultantes da privatização da RFFSA, com contratos firmados entre 1996 e 1998. São elas: Ferrovia Novoeste S.A. (atualmente Rumo Malha Oeste S.A.), Ferrovia Centro-Atlântica S.A., MRS Logística S.A., Ferrovia Tereza Cristina S.A., ALL-América Latina Logística do Brasil S.A. (atualmente Rumo Malha Sul), Companhia Ferroviária do Nordeste (atualmente Ferrovia Transnordestina Logística S.A.) e Ferrovias Bandeirantes S.A. (atualmente Rumo Malha Paulista S.A.). O contrato compreende a exploração e desenvolvimento do serviço público de transporte ferroviário de carga, por um período de 30 anos, com metas específicas para cada empresa concessionária referentes ao aumento da produção (TKU) e redução dos índices de acidentes.

No segundo grupo, formado pelas empresas EFC – Estrada de Ferro Carajás e EFVM – Estrada de Ferro Vitória-Minas, os contratos de concessão também têm vigência de 30 anos, mas incluem o transporte de passageiros. O terceiro grupo compreende as concessionárias que, além de explorar os serviços de transporte ferroviário, têm obrigação de construir a ferrovia. Estão neste grupo as empresas Transnordestina Logística S.A. e Ferronorte S.A., atualmente Rumo Malha Norte S.A., com vigência dos contratos de 30 anos.

O quarto grupo compreende as concessões ferroviárias realizadas recentemente, tais como Ferrovia Norte Sul e Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), ambas concessões da estatal Valec S.A.

Apesar dos contratos de concessão terem como objetivo principal a prestação de serviços de transporte ferroviário, as cláusulas estão voltadas para a manutenção e garantia da operação ferroviária ou o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. As metas mensuráveis privilegiam a qualidade da operação e não a qualidade dos serviços de transportes. Os contratos tratam muito mais das relações entre o poder concedente (União) e as concessionárias, com poucas garantias ou obrigações sobre a qualidade dos serviços e o atendimento dos clientes ou usuários dependentes das ferrovias.

É importante destacar que os contratos de concessão estabelecidos contemplam metas globais de aumento da produção da malha concedida, ou seja, as obrigações quanto à quantidade de carga transportada estão relacionadas à totalidade da malha. As concessionárias passaram a atender essas metas globais, porém utilizando seletivamente a malha ferroviária, favorecendo os trechos mais produtivos e rentáveis.

Atualmente, há 15 contratos de concessão ferroviária vigentes, conforme apresentados abaixo.

FerroviaInício do contratoPrazo (anos)
Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A.03/10/198890
Ferrovia Centro-Atlântica S.A.26/08/199630
Ferrovia Norte Sul Tramo Norte (FNSTN)20/12/200730
Ferrovia Tereza Cristina S.A.24/01/199730
Transnordestina Logistica S.A.22/01/2014Até 2027
Ferrovia Transnordestina Logística S.A. (FTL)30/12/199730
MRS Logística S.A.26/11/199630
Ferrovia Norte Sul Tramo Central (FNSTC)31/07/201930
Rumo Malha Norte S.A.12/05/198990
Rumo Malha Oeste S.A.01/07/199630
Rumo Malha Paulista S.A.01/01/199930*
Rumo Malha Sul S.A.01/03/199730
Estrada de Ferro Carajás (EFC)01/07/199730*
Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM)01/07/199730*
Ferrovia de Integração Oeste-Leste FIOL – Trecho 103/09/202135
Fonte: ANTT (2024) * Já renovado por mais 30 anos

A diversidade de contratos também não contribuí para a formação de um sistema ferroviário nacional, integrado e voltado para o atendimento das necessidades dos diversos interessados. Enquanto no passado a integração das malhas era dificultada pela diversidade de bitolas, no sistema atual o desafio é integrar os serviços devido à diversidade de contratos.

Privatização das ferrovias brasileiras

O sistema ferroviário que conhecemos atualmente começou a ser definido a partir do modelo de privatização escolhido e efetivado na década de 1990. Até os dias atuais, muitas decisões relacionadas ao setor dependem da maneira como ocorreu a transferência das operações das ferrovias para as empresas privadas.

Essa privatização acompanhou um movimento verificado na segunda metade do século XX em vários países. Apesar disso, cada país escolheu um modelo para fazer as concessões, com diferenças significativas com relação às responsabilidades de todos os envolvidos na operação, manutenção e fiscalização das ferrovias.

A privatização não representa apenas uma transferência de um serviço público para a iniciativa privada. Neste processo de mudança há uma ruptura nas estruturas, normas e no conjunto de interesses envolvidos, pois a atuação mais abrangente do Estado é substituída por outra que privilegia a eficiência, a competitividade e o uso seletivo dos recursos. O aparato normativo e regulatório, portanto, precisa ser realizado de forma muito precisa, para equilibrar todos os interesses, sejam eles públicos ou privados.

O processo de privatização no Brasil foi realizado após a criação de uma série de leis, programas e instituições públicas, tais como: Programa Nacional de Desburocratização (1979), Programa de  Melhoria do Atendimento ao Público (1981), Programa Federal de Desestatização (1988), Conselho Federal de Desestatização (1988), Certificados de Privatização (1990), Programa Nacional de Desestatização (1990), Fundo Nacional de Desestatização (1990), inclusão da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) no Programa Nacional de Desestatização (1992), Lei das Concessões de Serviços Públicos (1995), Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (2001), Agência Nacional de Transportes Terrestres (2001) e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (2001).

Apesar de todas estas providências, as privatizações realizadas no final do século XX, consideradas as maiores do mundo, tiveram grande influência das políticas neoliberais da época, obedecendo diversas práticas estabelecidas pelo Consenso de Washington. Através das concessões públicas, a iniciativa privada passou a valorizar a eficiência e a competitividade, desconsiderando a visão de conjunto.

Os leilões de privatização das ferrovias foram realizados entre 1996 e 1998, compreendendo a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), Ferrovia Paulista (Fepasa), Estrada de Ferrovia Vitória-Minas e Estrada de Ferro Carajás.

RESULTADO DOS LEILÕES DA RFFSA

Malha da RFFSAConcessionárias
NordesteCFN – Cia Ferroviária do Nordeste
Centro-LesteFCA – Ferrovia Centro Atlântica S.A.
SudesteMRS Logística S.A.
OesteFerrovia Novoeste S.A.
SulFerrovia Sul-Atlântica S.A.
Tereza Cristina Ferrovia Tereza Cristina S.A.Ferrovia Tereza Cristina S.A.

Após 25 anos do final das privatizações das ferrovias, verifica-se que o modelo escolhido e a forma como tudo foi realizado não contribuíram, como se esperava, para a criação de um verdadeiro sistema ferroviário nacional. As malhas existentes, controladas por apenas três grupos, operam na forma de monopólio e não trabalham de forma integrada. Grande parte desta realidade é resultado dos contratos de concessão adotados.