Veículos Leves sobre Trilhos

Os bondes, na segunda metade do século XIX, desempenharam importante papel no transporte urbano de passageiros nas principais cidades do mundo. Eram eficientes, rápidos, confortáveis e ambientalmente sustentáveis. Da mesma forma, as principais cidades do Brasil possuíam extensas e complexas redes de bondes, interligando pontos importantes e bairros.

Na primeira metade do século XX, as prioridades das cidades se modificaram e, gradativamente, os sistemas de transportes públicos de passageiros sobre trilhos começaram a ser substituídos por outros que utilizavam pneus. Os serviços dos bondes foram praticamente encerrados no país na década de 1960. Em Piracicaba, os bondes foram utilizados por aproximadamente 50 anos. A partir do centro da cidade, atendiam a Estação da Paulista, Esalq e bairro Vila Rezende. Também encerraram as atividades na década de 1960.

A história deste importante sistema de transporte urbano foi praticamente apagada pelo tempo. Os trilhos foram vendidos por peso ou enterrados pelo asfalto e o material rodante virou sucata. Poucos carros que serviram aos serviços de bondes no país sobreviveram. Há, no entanto, dois sistemas importantes que ainda remetem às lembranças do passado. O Bonde de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, é o único que transporta regularmente passageiros utilizando aqueles carros tradicionais com laterais abertas e estribos. Em 2017, transportou, aproximadamente, 250 mil passageiros. Ainda está em reformas, após grave acidente verificado em 2011. O sistema de bondes na cidade de Santos também é muito conhecido, sendo utilizado, no entanto, para fins turísticos.

A tentativa de reativar estes sistemas de trens urbanos é recente no país. Atualmente, são conhecidos como Veículo Leve sobre Trilhos ou, simplesmente, VLT. O mais conhecido de todos é o VLT Carioca (ver figura), que, em 2017, transportou 11,5 milhões de pessoas. Contando com 12,4 km de extensão, seus trilhos interligam vários pontos da região central do Rio de Janeiro, compartilhando os mesmos espaços com pedestres e demais veículos automotores. Está interligado com outras opções de transporte público de passageiros, como o terminal das barcas, na Praça XV, rodoviária, Aeroporto Santos Dumont, metrô e trem. Os trens são movidos a eletricidade, com sistema de alimentação pelo solo.

VLT CARIOCA – RIO DE JANEIRO

Há três outros sistemas VLT em funcionamento no país. O VLT Cariri, contando com 13,6 km de extensão, transportou em 2017 aproximadamente 350 mil passageiros. Opera em sistema segregado, sem competir com outros veículos em grande parte do trajeto. Utiliza a malha de uma ferrovia já existente, interligando os municípios de Crato e Juazeiro do Norte, no Ceará. Os trens são movidos à diesel.

O VLT Baixada Santista é o sistema que mais transporta passageiros no país, totalizando 5,8 milhões em 2017. Com 11,5 km de extensão, interliga São Vicente e Santos através de um sistema segregado, com interferências apenas em algumas passagens em nível. As composições são movidas a energia elétrica e o traçado foi construído num trecho desativado da antiga Fepasa. O VLT Sobral transportou 360 mil passageiros em 2017, utilizando 13,6 km de linhas na cidade de Sobral, Ceará. Também opera em grande parte do trecho de forma segregado. A frota é movida a diesel e utiliza trecho de uma antiga ferrovia.

A ampliação dos sistemas VLT no país ainda é uma incógnita. Os projetos e obras caminham lentamente, apesar dos grandes problemas de mobilidade existentes nas médias e grandes cidades brasileiras.

Desativação de trechos ferroviários

Até o início do século XX, nos Estados Unidos da América, empresas ferroviárias costumavam construir parques de diversão no final das linhas de trem para maximizar o uso dos ativos ferroviários. Durante a semana, os trabalhadores utilizavam os trens e garantiam receita para as ferrovias. Nos finais de semana, no entanto, eram os parques que movimentavam os trens. Esta era uma prática muito utilizada para solucionar problemas de baixa demanda nas ferrovias.

No Brasil, após as privatizações das malhas da RFFSA realizadas entre 1996 e 1998, verifica-se um processo lento e constante de abandono e devolução de trechos menos interessantes para as empresas concessionárias. De um total de 29 mil km de linhas transferidas para a iniciativa privada, atualmente apenas um terço é efetivamente utilizado.

Após 28 anos do processo de privatização, o sistema ferroviário brasileiro é operado e controlado por três grandes grupos, que transportam, em grande parte, seus próprios produtos. Os serviços oferecidos por estas empresas privilegiam o transporte de cargas de grande volume e baixo valor agregado em direção aos portos e mercados internacionais. Trechos ferroviários não inseridos nesta lógica possuem tráfego praticamente nulo e estão sempre sujeitos à desativação e devolução ao poder concedente, ou seja, para a União.

O uso cada vez mais racional do sistema ferroviário nacional está fortalecendo os corredores de exportação de commodities agrícolas e minerais. Produtos que não se enquadram nestes corredores não são considerados prioritários pelos serviços de transporte ferroviário e, provavelmente, terão que ser transportados por caminhões.

A desativação ou erradicação de trechos ferroviários está acontecendo com muita facilidade e sem grandes questionamentos e discussões. Atualmente, segundo a ANTT, há 4.385,5 km de trechos sem tráfego e 1.759,8 km de trechos desativados, totalizando 6.145,3 km (ver figura). Para que algumas regiões do país não sejam prejudicadas por estas práticas, chegou a tramitar em Brasília o Projeto de Lei 4932/2016, atualmente arquivado. O objetivo era que a desativação de trechos ferroviários de baixa utilização deveria ser debatida e aprovada pelo Congresso Nacional. Era uma tentativa de aumentar o controle social sobre diversas decisões relativas às ferrovias brasileiras.

ALGUMAS FERROVIAS DESATIVADAS

Mas tudo isso poderia ser diferente. Os contratos de concessão das ferrovias concessionadas a partir de 1996 têm como objeto a “concessão para a exploração e desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário de carga”. As ferrovias Estrada de Ferro Carajás e Estrada de Ferrovia Vitória-Minas, ambas controladas pela Vale, também contemplam em seu objeto o transporte de passageiros. Tudo indica que não ficou muito claro nos contratos o significado do objetivo “desenvolvimento”.

Para àqueles que pensam a ferrovia como uma solução logística para o país, desenvolvimento está relacionado, provavelmente, à ampliação dos serviços, da malha ferroviária, da variedade de produtos transportados, do número de clientes e dos setores econômicos atendidos. Porém, para os operadores do sistema, desenvolvimento está relacionado ao aumento dos fluxos de seus próprios produtos e setores econômicos em que estão inseridos.

O futuro do sistema ferroviário nacional depende de uma rediscussão dos contratos e dos demais aparatos regulatórios. O encolhimento da malha ferroviária é a maior demonstração de que algo não está funcionando como estabelecido inicialmente nos contratos de concessão.

Evolução do transporte ferroviário de cargas

Nos últimos anos, a quantidade total de carga transportada pelas ferrovias brasileiras teve um aumento de 50%. De uma forma geral, este resultado parece positivo, já que o aumento da produção ferroviária é uma das exigências ou um dos compromissos estabelecidos nos contratos de concessão.

No entanto, esta realidade se deve, principalmente, ao minério de ferro (58% maior no período) e produtos do agronegócio (75% maior) (REVISTA FERROVIÁRIA, 2017). Outros produtos, como carvão, cimento, granéis minerais, produtos siderúrgicos e combustíveis perderam participação nas ferrovias no mesmo período. A redução nos volumes transportados destes produtos mais elaborados confirma que as prioridades do sistema ferroviário nacional é transportar commodities agrícolas e minerais (ver tabela).

Em 2018, 77% da carga transportada pelas ferrovias foi de minério de ferro e 14% de produtos do agronegócio, tais como soja, milho, açúcar, adubos e fertilizantes. A Estrada de Ferro Carajás, entre Parauapebas (PA) e São Luís (MA), transportou 33% do total transportado pelas ferrovias brasileiras em 2017. Enquanto isso, MRS Logística e Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) movimentaram, respectivamente, 25% e 24% do total. 

A concentração dos serviços de transportes em poucas ferrovias é uma das características do sistema ferroviário da atualidade. O sistema está se tornando cada vez mais monofuncional e especializado no transporte de produtos aos mercados internacionais. Ferrovias que não participam do transporte de minério ou soja perdem espaço no sistema e interesse dos operadores e investidores.

Nos relatórios anuais apresentados, a velocidade média dos trens chama muito a atenção. Além de serem muito baixas, quando comparada com a da opção rodoviária, nos últimos 10 anos a velocidade dos trens sofreu uma redução. Das 13 concessionárias, apenas duas tiveram um aumento na velocidade comercial. A EFVM aumentou a velocidade comercial, entre 2006 e 2017, de 21,52 km/h para 27,39 km/h (ANTT, 2019). Verifica-se, também, que nas demais concessões as velocidades são bem menores.

Apesar da situação apresentada acima, não há propostas ou indícios de que algo de novo esteja sendo pensado para criar um verdadeiro sistema ferroviário nacional. As ferrovias atuais estão privilegiando os corredores de exportação, reduzindo suas malhas; os serviços de transportes estão ficando restritos ao minério e grãos para exportação; e as novas ferrovias estão sendo construídas para atender o setor mineral e o agronegócio. A evolução do transporte ferroviário exige um pensamento mais abrangente sobre as reais contribuições desta importante opção de transportes para o país.

Ferrovia Transnordestina

Construir ferrovias não é uma tarefa fácil, ainda mais no Brasil. As obras da Ferrovia Transnordestina, localizadas na região nordeste do país, se arrastam por mais de uma década. Está consumindo bilhões de reais dos cofres públicos, com data indefinida para a sua conclusão.

A ferrovia está sendo construída para ligar Eliseu Martins, no Piauí, aos portos de Suape e Pecém, localizados em Pernambuco e Ceará, respectivamente. Com 1.753 km de extensão, tem como objetivo principal transportar commodities agrícolas e minerais. É considerada, portanto, uma ferrovia exportadora.

A história da Ferrovia Transnordestina ajuda a explicar um pouco as grandes dificuldades enfrentadas atualmente. Tudo começou em 1997, quando foi assinado o contrato de concessão da Malha Nordeste, de bitola métrica, pelo período de 30 anos, entre a União e a Companhia Ferroviária do Nordeste S.A. (CFN), concessionária que tinha como acionistas a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Taquari Participações S. A.

A empresa ferroviária, em conjunto com diversas instituições públicas, firmou acordo em 2005 para a construção da Ferrovia Nova Transnordestina. No ano seguinte, as obras desta nova ferrovia de bitola larga (1,6 m) se inicia. A razão social da CFN foi alterada, em 2008, para Transnordestina Logística S. A. (TLSA).

Em 2013, a empresa ferroviária TLSA foi dividida em duas novas empresas. A Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), que passou a cuidar da operação da malha antiga de bitola métrica, e a própria TLSA, que ficou responsável pela construção da nova ferrovia de bitola larga.

A proposta original previa que a ferrovia seria construída e operada por empresas privadas. Mas não foi exatamente isso que aconteceu. Atualmente, a Transnordestina Logística S.A. possui mais acionistas estatais do que privados. São eles: CSN (48,04%), Infra (36,47%), BNDES (7,72%), BNDESPAR (6,13%) e FINAME (1,64%) (Fonte: Abifer). A escolha de sócios e investidores estatais parece ter sido a única opção para resolver os problemas políticos, econômicos e ambientais inerentes à obra.

A construção da ferrovia ainda apresenta grandes desafios. O marco zero das obras está localizado no município de Salgueiro, no sertão pernambucano. A oeste deste ponto está Eliseu Martins, município próximo da fronteira agrícola produtora de soja e da Ferrovia Norte-Sul. Ao norte segue o trecho ferroviário em direção ao porto de Pecém e a leste está o acesso ao porto de Suape.

Neste ponto central da ferrovia estão localizadas a fábrica de dormentes, as reservas de brita para o lastro da ferrovia e a operação de solda de trilhos. A logística da construção envolve a construção da infraestrutura (cortes, aterros e pontes) e assentamento de trilhos. A falta de água em toda a região da ferrovia prejudicou os trabalhos de terraplanagem para a formação do leito dos trilhos. A situação poderia ser diferente, já que, ao lado da fábrica de dormentes, existia um dos ramais inacabados da transposição do Rio São Francisco. A Odebrecht Infraestrutura, responsável pela fábrica de dormentes, rescindiu o contrato com a TLSA em 2013, aumentando ainda mais as incertezas quanto ao futuro da ferrovia.

Para agravar ainda mais a situação, não está muito claro, ainda, a oferta real de carga para justificar a construção da ferrovia. Há muitas críticas quanto à sua viabilidade. Por enquanto, a maior contribuição da Ferrovia Transnordestina é fazer parte da lista de obras ferroviárias inacabadas no país que não conseguem sair totalmente do papel.

Ferrovias de alto desempenho

O sistema ferroviário nacional é formado por 14 concessões ferroviárias, cada uma com suas especificidades em termos de infraestruturas, cargas transportadas e obrigações contratuais. Uma das principais características deste sistema é que as operações estão concentradas em apenas três empresas, consideradas ferrovias de alto desempenho. Em 2017, MRS (MRS Logística), Estrada de Ferro Carajás (EFC) e Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), juntas, transportaram 82% de toda a carga ferroviária no país utilizando apenas 12% da malha concessionada existente (figura).

Relação das ferrovias de alto desempenho com os portos

Controlada pela empresa mineradora Vale, a EFC transporta minério da Província Mineral dos Carajás ao Terminal Marítimo da Ponta da Madeira, em São Luís (MA). Contando com 892 km de extensão em bitola larga (1,6 metro), a ferrovia entrou em operação em 1985. Atualmente, a sua duplicação está praticamente finalizada. Além do minério de ferro, a EFC também transporta passageiros, entre São Luís (MA) e Parauapebas (PA), e commodities agrícolas, a partir da FNS – Ferrovia Norte-Sul em Açailândia (MA).

A EFC transportou, em 2017, 175 milhões de toneladas de carga, sendo 98% de minério de ferro. Esta ferrovia pode ser classificada como extravertida e unidirecional, pois a movimentação de produtos em direção ao porto é muito superior quando comparada à carga no sentido oposto. É uma ferrovia majoritariamente monofuncional, pois sua operação privilegia o transporte de minério em detrimento de outros produtos.

Apesar do sucesso das operações ferroviárias da EFC anunciado amplamente nos meios de comunicação, os municípios adjacentes à linha ferroviária nos estados do Maranhão e Pará possuem altos índices de pobreza e baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) quando comparados aos de outras regiões do país.

Criada em 1904, a EFVM, contando com 905 km de extensão em bitola métrica e linha duplicada, é utilizada pela mineradora Vale para o transporte de minério de ferro do Quadrilátero Ferrífero, localizado nas proximidades de Belo Horizonte (MG), aos portos em Vitória (ES). Ela também realizada o transporte de passageiros em viagens diárias.

O volume total transportado em 2017 pela ferrovia foi de aproximadamente 128 milhões de toneladas, sendo que 91% correspondeu ao minério de ferro. Por atender prioritariamente o transporte de produtos para exportação, essa ferrovia pode ser classificada, também, como extravertida e unidirecional, pois os vagões voltam praticamente vazios no sentido porto-interior.

A MRS, com 1.643 km de extensão em bitola larga, interliga Belo Horizonte com São Paulo e Rio de Janeiro e seus respectivos portos exportadores, Santos, Guaíba, Itaguaí e Rio de Janeiro. Controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e MBR (Vale), transportou 131 milhões de toneladas em 2017, sendo 88% do produto minério de ferro.

As características apresentadas acima indicam que as ferrovias são altamente vulneráveis, pois dependem de um único produto. Qualquer oscilação negativa na demanda mundial pelo minério de ferro, as ferrovias podem perder o sentido. Para a organização de um sistema ferroviário nacional sustentável, é fundamental ampliar os tipos de produtos transportados e aumentar o número de clientes e regiões atendidas.