Desativação de trechos ferroviários

Até o início do século XX, nos Estados Unidos da América, empresas ferroviárias costumavam construir parques de diversão no final das linhas de trem para maximizar o uso dos ativos ferroviários. Durante a semana, os trabalhadores utilizavam os trens e garantiam receita para as ferrovias. Nos finais de semana, no entanto, eram os parques que movimentavam os trens. Esta era uma prática muito utilizada para solucionar problemas de baixa demanda nas ferrovias.

No Brasil, após as privatizações das malhas da RFFSA realizadas entre 1996 e 1998, verifica-se um processo lento e constante de abandono e devolução de trechos menos interessantes para as empresas concessionárias. De um total de 29 mil km de linhas transferidas para a iniciativa privada, atualmente apenas um terço é efetivamente utilizado.

Após 28 anos do processo de privatização, o sistema ferroviário brasileiro é operado e controlado por três grandes grupos, que transportam, em grande parte, seus próprios produtos. Os serviços oferecidos por estas empresas privilegiam o transporte de cargas de grande volume e baixo valor agregado em direção aos portos e mercados internacionais. Trechos ferroviários não inseridos nesta lógica possuem tráfego praticamente nulo e estão sempre sujeitos à desativação e devolução ao poder concedente, ou seja, para a União.

O uso cada vez mais racional do sistema ferroviário nacional está fortalecendo os corredores de exportação de commodities agrícolas e minerais. Produtos que não se enquadram nestes corredores não são considerados prioritários pelos serviços de transporte ferroviário e, provavelmente, terão que ser transportados por caminhões.

A desativação ou erradicação de trechos ferroviários está acontecendo com muita facilidade e sem grandes questionamentos e discussões. Atualmente, segundo a ANTT, há 4.385,5 km de trechos sem tráfego e 1.759,8 km de trechos desativados, totalizando 6.145,3 km (ver figura). Para que algumas regiões do país não sejam prejudicadas por estas práticas, chegou a tramitar em Brasília o Projeto de Lei 4932/2016, atualmente arquivado. O objetivo era que a desativação de trechos ferroviários de baixa utilização deveria ser debatida e aprovada pelo Congresso Nacional. Era uma tentativa de aumentar o controle social sobre diversas decisões relativas às ferrovias brasileiras.

ALGUMAS FERROVIAS DESATIVADAS

Mas tudo isso poderia ser diferente. Os contratos de concessão das ferrovias concessionadas a partir de 1996 têm como objeto a “concessão para a exploração e desenvolvimento do serviço de transporte ferroviário de carga”. As ferrovias Estrada de Ferro Carajás e Estrada de Ferrovia Vitória-Minas, ambas controladas pela Vale, também contemplam em seu objeto o transporte de passageiros. Tudo indica que não ficou muito claro nos contratos o significado do objetivo “desenvolvimento”.

Para àqueles que pensam a ferrovia como uma solução logística para o país, desenvolvimento está relacionado, provavelmente, à ampliação dos serviços, da malha ferroviária, da variedade de produtos transportados, do número de clientes e dos setores econômicos atendidos. Porém, para os operadores do sistema, desenvolvimento está relacionado ao aumento dos fluxos de seus próprios produtos e setores econômicos em que estão inseridos.

O futuro do sistema ferroviário nacional depende de uma rediscussão dos contratos e dos demais aparatos regulatórios. O encolhimento da malha ferroviária é a maior demonstração de que algo não está funcionando como estabelecido inicialmente nos contratos de concessão.