Sem alternativas

Em 2006, o país passou por uma grave crise no setor aéreo. Foi um caos, paralisando diversas atividades e negócios e colocando em evidência o papel e a responsabilidade de todos os agentes públicos e privados envolvidos. Para salvar este momento histórico negativo, que ficou conhecido como apagão aéreo, o governo retirou na gaveta o projeto do Trem de Alta Velocidade (TAV).

Através deste acontecimento, o trem passou a ser a melhor alternativa para todos os problemas relacionados aos transportes no país, principalmente para atender os fluxos de pessoas no eixo Rio-São Paulo. Depois que a situação de desespero se normalizou, o projeto do TAV voltou para a gaveta.

Com a crise dos caminhoneiros em 2018, que paralisou o país em praticamente todas as coordenadas do território nacional, a discussão sobre o papel das ferrovias brasileiras voltou. Os discursos destacaram que o país é muito dependente dos caminhões, que a matriz dos transportes está desbalanceada em favor das rodovias e que tudo isso começou com o presidente Juscelino Kubitschek. São afirmações simplificadas, que limitam as discussões a questões superficiais e não esclarecem como o setor de transportes funciona realmente no país.

Primeiramente, o transporte é uma atividade muito estratégica para as empresas, principalmente para os grandes grupos econômicos que precisam movimentar pelo território brasileiro grandes quantidades de produtos de baixo valor agregado, como minério e soja. Os custos logísticos de alguns grupos podem represenar entre 1 bilhão e 2 bilhões de reais ao ano e qualquer sistema de transporte mais eficiente e econômico será disputado com toda as armas disponíveis.

Outro ponto que merece ser colocado na mesa de discussões está relacionado à maneira como o planejamento dos sistemas de transportes é realizado pelos governos brasileiros. Geralmente visam atender necessidades imediatas, pontuais e de setores representativos, sem um pensamento de conjunto e de longo prazo.

O Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), lançado em 2007 como um plano de Estado, é um bom exemplo. Os estudos foram elaborados para um horizonte de 16 anos, considerado de médio e longo prazos. Para as ferrovias, que possuem contratos de concessão de 30 ou 60 anos, o horizonte considerado no PNLT é de curto prazo. Para fazer um planejamento sério e consistente, seria necessário considerar o que o país necessita para os próximos 50 e 100 anos.

A maneira como as ferrovias estão sendo organizadas e utilizadas também precisam ser consideradas. Elas foram reativadas no país no final do século XX para atender a exportação de commodities. Desta forma, os trens dificilmente poderão transportar cargas rodoviárias, pois as origens e destinos das rotas são muito diferentes. Enquanto os trens interligam regiões agrícolas e minerais aos portos, as principais rodovias conectam as grandes metrópoles. É importante considerar, também, que o sistema ferroviário nacional opera sob regime de monopólio, controlado por três empresas, com grandes barreiras para entradas de outros usuários e produtos.

Para um país imediatista, com baixa capacidade de investimento, sem planejamento de conjunto e de médio e longo prazos, as rodovias são a melhor opção. Atendem todos os usuários e tipos de veículos e em praticamente todo o território nacional. A ferrovia, de uso limitado e com investimentos a passos lentos, nunca será uma alternativa para solucionar a falta de caminhões.