A contribuição dos sistemas de transportes para o desenvolvimento econômico e social de uma região ou país parece ser uma certeza consagrada para grande parte dos estudiosos e formuladores de políticas públicas. É uma questão que tem gerado muitas dúvidas, já que a realidade constatada em várias partes do país é muito diferente das promessas.
Esta relação é utilizada há muito tempo em diversos países, tendo como referência os trabalhos realizados pelo Conde de Saint Simon e seus discípulos no século XVIII que trataram do planejamento do território da França. Para este estudioso, as redes de transportes irrigariam e trariam vida para todo o território francês, beneficiando toda a sociedade. Para Saint Simon, o território funcionaria como um organismo e as redes de transportes como artérias.
A aplicação desse conceito, no entanto, não pode ser verificada na prática. As funções de um organismo são definidas a partir de um programa muito bem estabelecido. Quando umas das partes do organismo faz uma solicitação, os fluxos são acionados automaticamente. Nos sistemas de transportes, as funções que controlam os fluxos não são acionadas automaticamente, mas de acordo com leis e regras definidas pela sociedade, expressando desejos, planos e necessidades muito particulares.
Há muitos exemplos que demonstram que não existe esta relação direta entre sistemas de transportes e desenvolvimento. O primeiro deles pode ser representado pela Estrada de Ferro Carajás (EFC). É uma das ferrovias mais produtivas, modernas e eficientes do mundo, mas atravessa dois estados com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, Maranhão e Pará. É uma ferrovia que, na escala nacional e global, contribui para a atividade exportadora de commodities minerais e agrícolas. Porém, na escala local, entre Parauapebas (PA) e São Luís (MA), há um grande vazio em que impera a pobreza e a miséria.
O segundo exemplo é o oposto do primeiro. O estado de São Paulo, que possui os melhores índices econômicos e sociais do país, não é um grande usuário de ferrovias. Um volume expressivo de cargas ferroviárias que atravessam o estado são de grãos originados na região Centro-Oeste.
Apesar da realidade mostrar o contrário, esta relação ainda é amplamente utilizada nos meios acadêmicos, empresarial, governamental e de comunicação. A construção da Ferrovia Norte-Sul, realizada recentemente no estado de Tocantins, é um bom exemplo. Ao longo da BR-226, entre o sul e o norte do estado, diversas placas anunciavam que a ferrovia estava chegando ao estado. A mensagem, realizada pelo Governo Federal e Ministério dos Transporte, dizia “O desenvolvimento chega de trem ao Tocantins”.
Muitos outros exemplos demonstram que a relação apresentada não existe de forma automática e direta, já que desenvolvimento é o resultado de questões muito mais amplas e complexas. Este assunto, no entanto, é muito utilizado nos discursos para realizar a mudança da matriz de transportes do país.