Os investimentos propostos nas últimas duas décadas em infraestruturas de transportes indicam para o aumento da participação de ferrovias e hidrovias no transporte de cargas e uma redução na utilização das rodovias. A retomada das ferrovias verificada a partir da década de 1990 está contribuindo para a reorientação da matriz de transportes, que tem a rodovia como a modalidade mais utilizada.
Uma das justificativas para a mudança desta matriz está relacionada à necessidade de utilizar opções de transportes mais eficientes e competitivas, principalmente quanto à redução dos custos envolvidos. É praticamente um consenso a ideia de que a matriz de transportes brasileira está desbalanceada, principalmente quando comparada com a de outros países de dimensões continentais semelhantes, como os Estados Unidos da América e a Rússia.
Mas as discussões sobre a matriz de transportes são limitadas a determinados interesses, principalmente àqueles que priorizam a inserção competitiva de produtos de grande volume e baixo valor agregado nos mercados internacionais. É fundamental, no entanto, analisar o assunto de uma forma mais ampla, destacando outras questões relevantes e fundamentais.
Primeiramente, é importante entender o que a matriz de transportes representa. Ela é o resultado de embates, confrontos e consensos entre todos os interessados na movimentação de cargas e pessoas no país. As modalidades de transportes atendem uma variedade muito ampla de interesses, portanto é prioridade de todos. Em segundo lugar, não se deve pensar na readequação da matriz de transportes sem considerar as diversas implicações que esta mudança pode acarretar nos outros serviços de transportes disponíveis.
No século XIX, por exemplo, a modalidade de transporte hidroviário foi praticamente esquecida no país quando as ferrovias começaram a ser introduzidas. Para os usuários que eram dependentes do transporte fluvial, esta mudança foi muito prejudicial. Em meados do século XX, os usuários de ferrovias também foram prejudicados com a introdução das rodovias. Diversas cidades, dependentes dos trens, praticamente sumiram do mapa com o início do transporte rodoviário.
A mudança desta matriz implica, também, na alteração de prioridades, interesses e orçamentos, promovendo modalidades de transportes que não são necessariamente utilizadas pela sociedade de uma forma geral. Uma possível priorização ou migração dos orçamentos relacionados às infraestruturas de transportes para as ferrovias e hidrovias, que são amplamente funcionais aos interesses de grandes grupos econômicos e empresariais, pode prejudicar a melhoria da malha rodoviária atual, cuja expansão verifica-se ainda incompleta no território brasileiro.
A matriz de transportes deve ser mais equilibrada no sentido de atender o máximo possível de interesses. Apesar disso, praticamente todos os planos e políticas de transportes no país buscam a readequação desta matriz seguindo o mesmo discurso de modernização do território que privilegia apenas alguns agentes, setores econômicos e regiões.