Situação das estações ferroviárias

O inventário realizado antes das privatizações das ferrovias na década de 1990 contabilizou a existência de 1.777 estações ferroviárias, distribuídas em todos as regiões do país. Deste total, o estado de São Paulo contava com 252 estações operadas pela Ferrovia Paulista S. A. (Fepasa). O patrimônio disponível, que compreendia também galpões, oficinas, pátios e obras de arte ferroviárias, ultrapassava dezenas de bilhões de reais.

O valor arquitetônico destas instalações e infraestruturas é incalculável (Figura 1), principalmente se considerarmos que as mais antigas foram construídas com material importado. Os trilhos, dormentes, pilares e vigas das estações, caixas d´água, portas e janelas, balanças e relógios, entre tantos outros equipamentos necessários para o funcionamento das ferrovias, são de procedência europeia, principalmente.

Figura 1 – Estação ferroviária de Joinville

As estações ferroviárias e demais instalações deveriam ser utilizadas para promover o setor ferroviário no presente. Mas não foi exatamente o que aconteceu. Nos últimos 20 anos, estas instalações se transformaram num grande passivo para a sociedade brasileira, gerando transtornos para as municipalidades e as concessionárias das ferrovias. Até os dias atuais, as estações continuam, em grande parte, sem utilização adequada.

As estações podem ser classificadas de duas formas. A primeira quanto a sua ocupação e situação e a segunda pela presença ou não de trens ou de linhas ainda em operação. No primeiro grupo, elas podem ser classificadas como abandonada, utilizada como escritório operacional das concessionárias das ferrovias, utilizada por instituições públicas municipais, transformada em museus e centros culturais, ocupada como moradia de desabrigados ou, até mesmo, demolida. Há casos em que existe uma utilização mista.

No segundo grupo estão as estações localizadas em linhas ainda em operação, com a passagem diária de trens de cargas e passageiros. Estas podem ser classificadas, também, em três tipos. No primeiro, as estações não possuem mais qualquer relação com a ferrovia (Figura 2). As portas e passagens que ligam o prédio à plataforma foram fechadas. Em alguns casos, a cobertura da plataforma foi retirada para que os modernos trens, muito mais altos do que no passado, possam passar. Neste caso, é possível afirmar que os municípios ou responsáveis pelas estações estão dando as costas para as ferrovias e esquecendo a importância da história.

Figura 2 – Estação Ouro, Araraquara, SP

No segundo tipo, as estações estão segregadas dos trilhos através de grades colocadas nas plataformas, mantendo uma relação parcial com a ferrovia atual. Os visitantes das estações, nesta situação, podem contemplar com segurança a passagem dos trens. Na terceira situação, as estações ainda realizam o transporte de passageiros, seja em serviços regulares como turísticos. É a situação ideal, pois permite trabalhar de forma plena a história das ferrovias em favor das transformações do presente.

Não existe um inventário oficial que apresente a situação atual das estações ferroviárias no país. Mesmo assim, são poucos os exemplos da utilização destes prédios e demais instalações para promover o setor ferroviário. O ideal seria dar um sentido mais nobre para estas estações, principalmente para resgatar histórias tão importantes para as regiões e cidades atendidas pelos trens.

Museus ferroviários no Brasil

Através da história é possível mobilizar a sociedade para a realização de ações transformadoras no presente. O programa de privatização das ferrovias brasileiras iniciada na década de 1990 desconsiderou esta questão e não criou instrumentos para que museus ferroviários fossem constituídos. Nos últimos 25 anos, portanto, grande parte do acervo material e imaterial ferroviário no país se perdeu.

Algumas iniciativas importantes, no entanto, conseguiram manter a história dos trens disponíveis e acessíveis aos cidadãos. Os serviços incluem passeios de trem, exposição de material ferroviário e centro documental das antigas ferrovias.

Um dos exemplos de preservação da memória ferroviária mais importantes do país é a Vila de Paranapiacaba, localizada no município de Santo André (SP). Foi construída para viabilizar a subida e descida dos trens na Serra do Mar, entre o porto de Santos e o planalto paulista. Possui um dos sistemas funiculares mais importantes do mundo, pela grandiosidade e complexidade, que atrai aficionados por trens de todos as partes do mundo.  A vila possui uma arquitetura que leva os turistas à Inglaterra antiga, principalmente pela torre do relógio que procura imitar o Big Ben londrino. Há diversos equipamentos ferroviários antigos em exposição, assim como oficinas e prédios que algum dia foram utilizados pela companhia ferroviária inglesa.

O Museu Ferroviário da Companhia Paulista, em Jundiaí (SP), apresenta aos visitantes prédios, oficinas e vasto material rodante, como marias fumaças, locomotivas e vagões de passageiros e de serviços antigos. O destaque deste museu é o acervo documental, disponível para consulta, de uma das empresas ferroviárias mais importantes do país.

Fundado em 1997, em Sorocaba (SP), o Museu Estradas de Ferro Sorocabana registra a história de uma outra importante ferrovia do país (Figura 1). A Sorocabana foi criada em 1875 para ligar a capital paulista à Sorocaba. O museu está instalado em imponente prédio próximo à estação ferroviária, com diversas peças, mobiliário, fotos e utensílios utilizados pela ferrovia. No museu há grande destaque aos fundadores e diretores da empresa.

A ocupação da região norte do estado do Paraná, realizada no início do século XX, tem uma relação muito grande com as ferrovias. As principais contribuições das ferrovias estão disponíveis no Museu Histórico de Londrina, inaugurado em 1986. No prédio da antiga estação ferroviária da cidade, inaugurado em 1950 e de arquitetura europeia, há um grande acervo de fotos, documentos, artefatos e equipamentos ferroviários, assim como uma maria fumaça e vagões de passageiros restaurados.

A evolução da engenharia brasileira está relacionada, também, à construção das ferrovias iniciada há mais de 150 anos no país. Um dos destaques pelo pioneirismo pode ser verificado na cidade paulista de Mairinque. O prédio da estação ferroviária é considerado o primeiro construído em concreto armado, em 1906, tendo um valor arquitetônico inestimável. Junto à estação há outros prédios e oficinas, alguns em atividade, e locomotivas antigas que podem ser visitados.

A cidade de Bauru era considerada um importante entroncamento ferroviário no oeste paulista, conectando as ferrovias Noroeste e Sorocabana. A estação imponente e o museu ferroviário proporcionam aos visitantes uma viagem ao passado das ferrovias. O acervo de material rodante disponível inclui as famosas locomotivas elétricas Russa, V8 e Vanderléia.

Há outras cidades no país que entendem a importância de resgatar a história das ferrovias e procuram realizar projetos para cuidar do patrimônio ferroviário existente. São ações fundamentais para explicar como a sociedade e as cidades brasileiras foram constituídas e organizadas no século XX.

Figura 1 – Museu da Estrada de Ferro Sorocabana, Sorocaba (SP)

Trens turísticos no Brasil

O patrimônio ferroviário no país é muito grande e está disponível em todos os estados em que a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) atuava. No estado de São Paulo, centenas de municípios atendidos pela antiga Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa) também possuem extenso patrimônio disponível. A melhor maneira de conservar este patrimônio histórico, formado por estações ferroviárias, material rodante e obras de arte (pontes e viadutos), é através da criação de trens turísticos.

Atualmente, há no país 17 trens turísticos e culturais operando regularmente, localizados nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. Com extensão total de 500 km de linhas, estes sistemas transportaram em 2017 aproximadamente 1,7 milhão de passageiros.

De todos os sistemas disponíveis, quatro concentram 82% do total de passageiros transportados. O Trem do Corcovado, no Rio de Janeiro, foi inaugurado em 1884 e transportou em 2017 mais de 700 mil turistas em direção ao Cristo Redentor (REVISTA FERROVIÁRIA, 2017). O sistema de cremalheira permite subir os 3.829 metros de trilhos em rampa acentuada com muita facilidade.

O Trem do Vinho, que interliga as cidades da Serra Gaúcha Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa, é o segundo com maior movimentação, totalizando mais de 340 mil passageiros transportados (Figura 1). A viagem de 23 km é realizada com muitas atrações que remetem às tradições gaúchas, envolvendo música gaúcha e italiana e degustação de vinhos e suco de uva.

Outra viagem que leva os passageiros ao passado ferroviário é realizada no Trem da Serra do Mar Paranaense, entre Curitiba e Morretes, num percurso de 70 km. Além das paisagens belíssimas e do contato com a natureza, o trecho de serra possui muitas obras de arte importantes, cuja construção no passado foi um grande desafio para a engenharia ferroviária brasileira.

O quarto trem turístico com maior movimentação de passageiros liga as cidades mineiras de São João Del Rei e Tiradentes, num percurso de 12,7 km. A Maria Fumaça e os vagões de madeira transportam, aproximadamente, 150 mil turistas ao ano. O trem Campinas-Jaguariúna também é muito conhecido e visitado pelos amantes do passado ferroviário.

Além de fomentar o turismo, estes sistemas ajudam a manter a memória ferroviária viva na mente das pessoas. O patrimônio ferroviário disponível e utilizado de forma adequada pode ser utilizado para ajudar a retomar o uso deste sistema de transporte de passageiros tão utilizado no mundo.

O turismo ferroviário existe no país, mas poderia ser melhor desenvolvido se políticas públicas específicas tivessem sido criadas na década de 1990 no momento em que ocorreram a privatização das estatais RFFSA e Fepasa.

O Ministério do Turismo disponibiliza a “Cartilha de orientação para proposição de Projetos de Trens Turísticos e Culturais”, voltado para auxiliar instituições públicas e privadas na elaboração de projetos e obtenção de recursos para a construção de trens turísticos e culturais. Clique aqui para acessar a catilha.

Figura 1 – Trem do Vinho em Garibaldi (RS)

A lista atualizada de trens turísticos, culturais e comemorativos está disponível no site da ANTT: https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/passageiros/passageiros-ferroviarios/passageiros-ferroviarios

Heranças e culturas

O processo de privatização das ferrovias brasileiras, realizado na década de 1990, promoveu grandes mudanças no sistema ferroviário até então sob controle estatal. Os novos controladores do sistema passaram a privilegiar o transporte de commodities aos principais portos exportadores.

Para garantir o controle máximo dos fluxos destas commodities, a desestatização do sistema ferroviário brasileiro buscou eliminar diversas reminiscências e remanescências que não interessavam mais à realidade atual que se impôs. Em outras palavras, as políticas públicas passaram a atuar para suprimir diversas heranças materiais e imateriais que tinham utilidade no passado, mas que, no momento atual, não interessavam mais.

Estas heranças envolvem o traçado das vias, o material rodante, as estações ferroviárias, as passagens em nível, os prédios, as áreas urbanas, os sindicatos, a organização de funcionários e a dinâmica social e econômica da área ao redor das estações ferroviárias. A desestatização teve como objetivo rearrumar ou contornar essas heranças, muitas vezes chamadas de gargalos ou obstáculos, de tal maneira que os objetivos de competitividade dos diversos agentes envolvidos pudessem ser alcançados.

O processo de privatização praticamente eliminou o transporte de passageiros de longa distância e toda a infraestrutura utilizada na realização desse serviço foi abandonado e considerado, sem grandes questionamentos, como um grande problema. As estações ferroviárias existentes perderam a função e passaram a ser classificadas, a partir de então, como componentes que reduzem a fluidez das ferrovias.

As estações ferroviárias, utilizadas no passado para o transporte de passageiros, foram desativadas, demolidas, abandonadas ou reutilizadas para outros fins diferentes daqueles para os quais foram originalmente concebidos. Passaram a desempenhar outras funções e atividades, como museus e centros culturais controlados, em muitos casos, pelas prefeituras.

Além das estações ferroviárias, outros patrimônios ferroviários também foram desconsiderados e esquecidos pelo processo de privatização, tais como pátios de manobras, edifícios de manutenção e administração e material rodante (locomotivas elétricas, diesel e a vapor, vagões de cargas e passageiros e veículos de serviço) (Figura 1). A falta de uma política pública específica para tratar desse assunto está condenando um patrimônio valiosíssimo, em grande parte importado, que foi construído nos últimos 150 anos.

A privatização eliminou uma cultura ferroviária que passava de geração para geração, sempre acompanhada de sentimentos e emoções. Ao contrário do se imagina, o patrimônio histórico e cultural das ferrovias deve ser utilizado para promover o próprio uso do sistema ferroviário no presente. O processo de privatização não considerou a criação de um fundo, formado por contribuições das próprias concessões ferroviárias, para tratar da história das ferrovias. Enquanto essa realidade não se modifica, as associações que promovem a preservação ferroviária fazem o que podem.

Figura 1 – Trem elétrico da Fepasa abandonado

A melhor modalidade de transporte

Em diversos eventos técnicos sobre transporte e logística realizados na última década, um representante da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviário costumava perguntar aos participantes, no início de sua palestra, se todos os rios são navegáveis. A resposta da plateia costumava ser, em todas as ocasiões, negativa. O palestrante informava, no entanto, que o correto seria dizer que sim, pois o uso dos cursos dos rios como meio de transporte depende dos usuários e de seus objetivos e necessidades.

É mais ou menos desta maneira que devemos nos comportar ao pensar nas infraestruturas de transporte necessárias para atender a sociedade brasileira. A discussão sobre as melhores modalidades de transportes depende dos interesses dos atores que estão exigindo a construção das infraestruturas. Não existe uma opção melhor que outra, mas as mais adequadas para atender determinadas necessidades.

A lista de projetos de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos incluídos no planejamento estatal visa atender alguns objetivos, que não necessariamente incluem as demandas de todos. Normalmente, a escolha destas modalidades segue alguns modelos, que precisam ser analisados com muita atenção e cuidado.

Com relação ao transporte de cargas, há três modelos normalmente utilizados para determinar as opções mais vantajosas. São eles: características das modalidades de transportes, características operacionais dos serviços de transportes e distâncias econômicas universais.

As modalidades podem ser comparadas de acordo com as seguintes características: topologia (flexível ou rígido), velocidade (baixa, média ou alta), capacidade de carga, custos fixos para a construção da infraestrutura e custos variáveis relacionados à sua operação.

Os serviços realizados pelas diferentes modalidades de transportes podem ser caracterizados pela velocidade, consistência (referente à eficiência no cumprimento dos tempos previstos), capacitação (capacidade de movimentar diferentes volumes e tipos de produtos), disponibilidade (número de locais em que a infraestrutura está disponível) e frequência (número de viagens por unidade de tempo).

O modelo conhecido como distâncias econômicas universais considera a distância mais adequada economicamente com relação ao valor do frete. Segundo este modelo, o uso das rodovias para o transporte de cargas é mais indicado para distâncias até 500 km, as ferrovias entre 500 e 1.200 km e hidrovias acima de 1.200 km.

Estes três modelos são utilizados amplamente no planejamento das infraestruturas de transportes no país para fundamentar as escolhas mais adequadas, mas também como justificativa para realizar a mudança da matriz de transportes.

A partir destes modelos, e ao contrário do que muitos podem pensar, a modalidade rodoviária é a mais interessante, principalmente porque o frete não é a única variável determinante para a escolha da melhor alternativa. O uso destes modelos depende das necessidades que se pretende atender, envolvendo região geográfica, tipo de produto e destino da carga (mercado interno ou externo).

Portanto, os rios não são navegáveis para a grande maioria dos especialistas em logística porque todos estão limitados à necessidade do agronegócio exportador. Para aqueles que pensam de forma mais ampla, todos os rios são navegáveis.

Transporte de cana-de-açúcar no rio Tietê