Antes das privatizações das ferrovias verificadas na década de 1990, o assunto passagens em nível estava praticamente esquecido e longe dos noticiários. No entanto, após a reativação das ferrovias brasileiras na década de 1990, os fluxos de composições se intensificaram e as interferências verificadas nos cruzamentos entre vias rodoviárias e ferroviárias aumentaram.
Atualmente, as passagens em nível se tornaram um grande problema para a operação do sistema ferroviário e para a manutenção da segurança nas cidades e áreas rurais cortadas pelos trens. Elas podem ser consideradas como um obstáculo para os fluxos dos trens, reduzindo a velocidade das composições e trazendo grande preocupação com relação à interrupção dos serviços de transportes. Para os cidadãos, a passagem de trens nos centros urbanos funciona como uma barreira, já que as composições, que podem alcançar quilômetros de extensão, paralisam os fluxos de veículos e pessoas várias vezes ao dia (Figura 1).
As passagens em nível podem ser analisadas a partir de duas realidades muito diferentes. A primeira está relacionada à malha ferroviária antiga, que cruza, atualmente, regiões de grande densidade populacional. A segunda refere-se à malha nova, de construção recente, localizada em regiões do Cerrado com baixa densidade populacional.
Na malha ferroviária antiga, que foi concessionada a partir de 1996 e totaliza, aproximadamente, 29 mil km de linhas, as passagens em nível se multiplicaram principalmente devido à urbanização e ao crescimento das cidades. Segundo levantamento, o país conta com 12.289 passagens em nível, sendo que, destas, 2.659 são consideradas críticas pelas concessionárias do sistema ferroviário (fonte: ANTF). A sinalização nestas passagens em nível é precária ou inexistente, trazendo insegurança para todos os envolvidos.
A malha nova, que tem como objetivo principal atender as necessidades do agronegócio exportador, ainda possui baixo fluxo de trens. Suas passagens em nível são, portanto, recentes e ainda não estão causando acidentes. Localizada nos estados de Tocantins e Goiás, a malha nova é formada, principalmente, pela Ferrovia Norte-Sul.
Soluções rápidas e baratas para minimizar a interferência entre ferrovia e cidades envolvem a construção de equipamentos públicos, como viadutos, mergulhões e passarelas, e a vedação da faixa de domínio, que é a construção de barreiras físicas para isolar a via férrea das áreas urbanas.
Para situações mais críticas, é necessário construir os contornos ferroviários, como o de Araraquara, inaugurado em 2015. Outras cidades, como Joinville e São Paulo, também aguardam a construção de seus contornos ferroviários. No caso de São Paulo, o projeto do Contorno Ferroviário da Região Metropolitana de São Paulo, também conhecido como Ferroanel, é da década de 1960 e ainda não tem prazo para início da construção.
Apesar de mais de duas décadas das concessões ferroviárias, a situação das passagens em nível no país ainda é crítica e incerta. O processo de privatização do sistema ferroviário se preocupou muito mais com a operação ferroviária e desconsiderou que este sistema se relaciona com as cidades e áreas rurais de diversas maneiras. A solução das interferências ficou em segundo plano e, até os dias atuais, continuam gerando muitas polêmicas.