A Primeira Revolução Chandleriana

O desenvolvimento das ferrovias no início do século XIX promoveu grandes transformações sociais em diversos países no mundo. O momento foi tão marcante que os autores Bressand & Distler, em 1995, chamaram o período compreendido entre o início do século XIX e início do século XX de Primeira Revolução Chandleriana (BRESSAND & DISTLER, 1995). Foi uma maneira de homenagear Alfred Chandler, autor do livro The Visible Hand, The Managerial Revolution in American Business, que trata das mudanças no mundo dos negócios promovidas pelas ferrovias nos Estados Unidos da América.

As ferrovias contribuíram para o início de uma nova sociedade, de uma nova relação entre agentes, países e regiões e para uma organização espacial muito mais complexa. Esta nova realidade alterou profundamente as relações econômicas entre diferentes localidades, reduziu a distância medida em tempo e custo e formou grande parte das cidades que conhecemos atualmente. Com as ferrovias foi o começo do fim do isolamento das pessoas e das regiões em diversos países.

As trocas mercantis aumentaram e contribuíram para o surgimento de regiões especializadas em determinado tipo de produto. As empresas, até então de abrangência local, passaram a atuar nas escalas nacional e internacional. A organização das empresas foi possível, também, graças ao uso do telégrafo, que evoluiu junto com as ferrovias.

A partir do surgimento das empresas ferroviárias, um novo ambiente normativo foi sendo instituído para regular o funcionamento das ferrovias e da dinâmica do sistema. As normas definiram também grande parte do funcionamento da sociedade e das regiões, que passaram a ter como parâmetro de organização e de circulação os horários e os traçados das ferrovias.

O emprego dessas novas técnicas, a ferrovia e o telégrafo, permitiu a aceleração do fluxo de pessoas e de bens materiais e imateriais, como informação, relatórios e cotações de preços. Utilizada primeiramente pelas empresas e organizações, essas técnicas permitiram as primeiras percepções da instantaneidade e da possibilidade da ação à distância quase que de forma imediata. Para o Geógrafo Milton Santos, foi o início da convergência dos momentos e de um novo uso do tempo e do espaço (SANTOS, 2002a). Os avanços foram tremendos, porém a instantaneidade percebida não era completa, total, como a do período atual, pois ainda o tempo era estabelecido por intermediários que tinham seus horários de funcionamento e atrasos na distribuição dos sinais utilizando os sistemas de comunicação da época.

A Primeira Revolução Chandleriana foi o período que deu início à emergência de espaços mais racionais e ao processo de transportar o nacional, e depois o universal, ao local. As ferrovias não só ligavam os lugares ao mundo, como ligavam o mundo aos lugares. E isso se dava através da troca de mercadorias, de ideias, de informações, de normas e de experiências. As ferrovias ajudaram, também, na origem de um complexo sistema de divisão internacional do trabalho, devido ao incremento da produtividade nos transportes (FURTADO, 1974).

O surgimento das ferrovias promoveu uma revolução tão grande que alguns autores subdividiram a circulação interna em primitiva, para o período anterior ao advento das ferrovias, e atual, para o período que compreende o uso das ferrovias e rodovias modernas (SILVA, 1949). Antes das ferrovias, a circulação interna estava restrita às técnicas de navegação fluvial e por canal, que tinham uma topologia mais rígida, pouco flexível, proporcionando velocidades reduzidas. Através das ferrovias, o território pôde ser integrado e os tempos de viagem encurtados tremendamente.

Os sistemas de transporte evoluíram consideravelmente após o surgimento das ferrovias e, na mesma direção, foram a organização de empresas e países. As escalas de planejamento mudaram, possibilitando a unificação das ações e a especialização e diferenciação das regiões. A valorização e desvalorização dos espaços é marcante nesse período de evolução das ferrovias e as dinâmicas das regiões, dos países e da sociedade se transformaram. O poderio mercantil, que estava restrito principalmente aos portos, avança agora sobre o interior dos territórios com grande velocidade.

O surgimento das ferrovias contribuiu, também, para a organização das relações comerciais e sociais entre regiões, países e continentes. Modificaram, também, a configuração territorial de muitos países, como foi o caso dos Estados Unidos da América que, na segunda metade do século XIX, conseguiram integrar o país e transformar a atuação das empresas de regional para nacional e depois para internacional (CHANDLER, 1998).

No Brasil, as ferrovias tiveram um papel importante na organização da região oeste do estado de São Paulo. Elas foram construídas para atender o escoamento da produção do café destinada às exportações, mas contribuíram também para a criação de muitas cidades do interior paulista. O geógrafo francês Pierre Monbeig foi um dos pesquisadores que trataram deste assunto. Para ele, sobre o oeste paulista é mais exato falar em regiões ferroviárias, que de regiões geográficas ou econômicas (MONBEIG, 1984). Através das ferrovias, novas cidades foram criadas e muitas outras ganharam uma importância regional. A criação de cidades e regiões só foi possível porque as ferrovias exerceram o monopólio dos transportes terrestres. Atualmente, esta função está sendo realizada pelas rodovias.

No período apresentado, cada país participou da revolução proporcionada pelas ferrovias de uma maneira muito particular. Alguns integraram seus territórios, ligando as principais cidades com o objetivo de transportar cargas e passageiros. Outros, construíram sistemas ferroviários funcionais à atividade exportadora de commodities. A história tem demonstrado que as respostas foram diferentes em cada país pela forma como as ferrovias foram construídas e organizadas.

Enquanto nos Estados Unidos da América as ferrovias contribuíram significativamente para criar um mercado interno, no Brasil as mesmas foram utilizadas para transportar produtos selecionados, de baixo valor agregado, aos mercados europeus. Sistemas ferroviários voltados à exportação de commodities foram construídos em vários países do mundo, principalmente nas ex-colônias europeias.


BRESSAND, A; DISTLER, C. La planète relationnelle. França: Flammarion, 1995.

CHANDLER, A. Ensaios para uma teoria histórica da grande empresa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.

FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

MONBEIG, P. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1984.

SANTOS, M. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2002.

SILVA, M. M. F. Geografia dos Transportes no Brasil. Serviço Geográfico do Instituto de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro: IBGE, 1949.